Da Etiqueta
Ainda que julgue desnecessário deter-me neste tópico – pois sei que todos vós sois de estirpe ilustre e linhagem irrepreensível –, nunca é demais recordar os limites do decoro que devem reger nossas estimadas reuniões. Embora as regras previamente estabelecidas já deixem claro que não se deve chamar um sócio de mentiroso, questionar sua nobreza ou proferir injúrias contra sua mãe, cumpre-me ainda acrescentar algumas observações sobre outros temas que podem incorrer em controvérsias e, quiçá, em desafios à espada.
Da Morte e de Suas Alegações
Não vos é permitido afirmar, em vossas objeções, que o contador da história pereceu, pois, de que outra forma poderia ele estar aqui a narrá-la? Podeis, entretanto, sugerir que sobre ele recaíram infortúnios que, sob circunstâncias ordinárias, teriam sido fatais – que tenha sido enforcado, esquartejado ou lançado ao mar com pesos de ferro atados aos tornozelos.
Embora tais alegações sejam de um ridículo patente, não constituem, por si só, motivo para um duelo. No entanto, um escárnio apropriado é mais do que justificável, e os presentes estarão plenamente autorizados a atirar pedaços de pão endurecido àquele que profira semelhante absurdo. Mais ainda, a moeda utilizada na objeção caberá, por justo direito, ao narrador interrompido.
Da Honra e de Seus Limites
Não vos é permitido insinuar que um eclesiástico ou uma dama tenha quebrado seus votos. Bem... podeis fazê-lo, evidentemente, mas sabei que tal afronta concede ao ultrajado o direito inquestionável de lançar-vos um desafio. E se eu próprio estiver presente quando tal vil baixeza for pronunciada, juro pela minha honra que tomarei as dores do ofendido e vos farei provar, com aço e destreza, o sabor da humilhação que pretendíeis infligir!
Do mesmo modo, qualquer insinuação de teor lascivo ou outra que atente contra a honra de um sócio não será tolerada, salvo se vossa intenção for, de fato, ofender e estais disposto a sustentar vossas palavras com a espada em punho.
Do Inexplicável e dos Limites da Razão
As narrativas de vossas façanhas, por mais grandiosas que sejam, devem estar circunscritas aos limites do que nossa venerável Nova Ciência pode, com propriedade, explicar. Falar de engenhos fabulosos que desafiem a compreensão dos sábios modernos não apenas será considerado tolice, mas também tornará fácil vosso desmascaramento.
Tampouco é de bom tom sugerir que um sócio esteja envolvido com as artes da feitiçaria, pois bem sabemos que a magia não existe, e que tudo – ou quase tudo – pode ser explicado pelo raciocínio científico. No entanto, vos é permitido insinuar que eventos misteriosos ocorreram, desde que saibais narrá-los com astúcia e sem cair em desvarios manifestamente impossíveis.
E que os prudentes tomem nota: em minhas muitas andanças pelo mundo já testemunhei coisas que desafiam a razão. E como dizem os doutos espanhóis: "No creo en las brujas, pero que las hay, las hay."